A VINGANÇA DO BRAÇO MORTO

 
Nasceu Miryan já tendo um irmão adotivo de nove anos de idade.
Os pais adotivos, pessoas humildes e de bom coração, mal se casaram, adotaram um dos filhos da vizinha que morreu em um acidente, junto com o marido, deixando como herança ao mundo apenas seus quatro filhos que foram adotados pelos parentes mais próximos.
Jonas, o mais velho, revoltou-se, pois não queria se separar dos irmãos. Só se conformou com o nascimento de Miryan. Pajeava-a enquanto a mãe adotiva paria outros cinco filhos.
Cresceram assim. Ele protegendo e amando-a. Os outros irmãos não lhe importavam. Nem pareciam existir. Somente Miryan, com seus olhinhos vivos e fugazes, era capaz de substituir o amor que perdera de seus pais e irmãos. Transferira para ela todo seu sentimento de família.
Cresceu. Fez-se homem. Miryan com nove anos. Ele com dezoito. Olhava-a em cada canto que estivesse. Um olhar de vigia e não de vigília. Um olhar cobrador. Miryan, por vezes dizia à mãe:
­_ Mamãe, tenho medo do Jonas.
_ Porque filha, ele está judiando de você?
_ Não.
_ Então por quê?
_ Eu não sei!
_ Deixe de bobagem! O Jonas é muito bom pra você. De todos, você é a que ele mais gosta e mais protege.
Porém, seu instinto prevenia-a contra o irmão. Ela passou a evitá-lo.
Onze anos. Finalmente fora para a quinta série. Agora estudava de manhã enquanto os outros cinco irmãos estudavam no vespertino. Assim, passava à tarde sozinha cuidando dos afazeres domésticos e das tarefas de casa que trazia da escola. Os pais e Jonas, já com vinte anos, saíam para trabalhar.
Naquele dia, estava Miryan à beira da pia lavando a louça, quando o irmão adotivo chegou. Não o ouviu entrar. Quando o viu já estava ao seu lado dizendo-lhe ao pé do ouvido:
_ Agora vamos brincar de médico.
A garota assustou-se, mas antes que se recuperasse do susto já estava deflorada. Suas lágrimas foram contidas por dois bofetões e uma ameaça:
_ Não vá chorar no ombro da mamãezinha que eu te mato.
Daí para frente foram três anos de abusos sexuais que a garota tinha que aceitar. Toda vez era um estupro, pois ela sempre resistia, apesar das ameaças de morte que ele lhe fazia.
O inferno desceu a terra e fez moradia em seu coração. Definhava em sua tristeza. Não se alimentava direito. Não estudava. Não ria. Apenas chorava. Preocupada a mãe levou-a ao médico que lhe disse em tom pasmo:
_ Essa garota foi deflorada, estuprada e violentada. Está com a vagina toda machucada.
A Mãe cobriu-lhe a cara de tapas perguntando:
_ Quem foi? Quem foi? Fala!!!
_ Foi o Jonas. _ Desabafou a menina.
_ Vai ter que casar! Ah! Porque homem nenhum vai fazer mal pra filha minha e ficar sem casar.
Três meses depois, o casamento.
Alugaram um moquiço na periferia onde a pobre garota passou a sofrer todos os tipos de agressões. Engravidou-se por três vezes e abortou seus filhos entre um estupro e uma surra. Já não agüentava mais tanto sofrimento quando começou a se queixar para a mãe. Esta procurava confortá-la dizendo:
_ Reza minha filha. Peça a Deus para ajudar a modificar o coração do Jonas. Deus há de te ouvir!
Miryan pedia. Orava noite e dia. Mas, toda noite e todo dia tudo se repetia. Ameaças e pancadaria. Até que um dia, sem mais nem porque, ele arrastou o gatilho numa roleta russa. A bala penetrou na nuca de sua esposa e saiu pela boca.
Aquela menina que ele havia criado para ele, cuja vida lhe pertencia, agora estava ali, caída a seus pés. Finalmente acabara com a vida daquela que lhe tirara os irmãos. Se ela não tivesse nascido, seus irmãos poderiam ter ido morar com ele. Era assim que pensava em sua insanidade.
Chegaram os vizinhos correndo. Jonas fingiu chorar desesperadamente e disse que a arma disparou acidentalmente. Implorava:
_ Acudam a minha lindinha, pelo amor de Deus!
Veio o socorro, a ambulância, a UTI. Quinze dias em coma entre a vida e a morte.
A morte. Antes tivesse morrido. Quando abriu os olhos estava tetraplégica. Nunca mais andaria. Nunca mais pegaria um copo de água para levar à boca. Seu corpo todo estava morto da nuca para baixo.
O marido, que se safou da prisão sob a alegação de tiro acidental, veio buscá-la com um sorriso cheio de dentes. Miryan não queria ir com ele. Suplicou à mãe para que não deixasse seu marido levá-la. Inútil. O rapaz convenceu a sogra de que a esposa não estava bem da cabeça e levou-a de volta ao inferno.
A paralítica agora, passava os dias presa à cama esperando o marido chegar para impingir-lhe novos suplícios. O carrasco, depois de se saciar sexualmente, espancava-lhe a cara, único lugar do corpo que ainda tinha sensibilidade. As vezes, arrastava-a pelos cabelos na casa toda. Queimava seu corpo com ferro de passar roupas ou pontas de cigarros.
 A moça não se alimentava mais. Estava um farrapo humano. Pedia a Deus para levá-la, para que descansasse de seu sofrimento. Mas em vez de levá-la, Deus ou o Diabo deu-lhe uma última oportunidade.
   Miryan acordou de manhã tendo formigamentos na mão direita. Não contou ao marido. Não contou a ninguém. Nem mesmo à mãe, apesar desta ter entrado na justiça para tirá-la da tutela do marido. Começou a movimentar os dedos. Fez muitos exercícios e ganhou força muscular e movimento no braço também. Ainda tinha dificuldades para movimentá-lo, mas conseguiu pegar o revólver debaixo do travesseiro do marido. Engatilhou-o e ficou segurando-o sob o cobertor.
O marido chegou do trabalho, sentou-se na cama ao lado da esposa, pronto para iniciar sua sessão de pancadaria. Deu-lhe as costas e começou calmamente a tirar a camisa.
Miryan ergueu o braço com dificuldade, mas com a força do ódio que sentia, puxou o gatilho. A bala penetrou-lhe na nuca, mas não saiu pela boca. Atravessou-lhe o cérebro ceifando-lhe a vida. A mulher jogou o revólver sobre ele e disse aos vizinhos:
_ Foi um tiro acidental.
Nunca mais Miryan movimentou o seu braço. Hoje, pinta flores em tela segurando o pincel com a boca.





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