CHEIRO DE AMOR




            Nasceu aos quinze dias do mês de março de um mil novecentos e cinqüenta e nove, época em que os carvoeiros e canavieiros ainda não haviam chegado com seus machados, motosserras e labaredas de fogo anunciando um progresso que não tardaria a chegar.
            Olhou para os lados e viu o verde dos campos e cerrados de um Triângulo Mineiro encostado em um canto de Minas Gerais. Sentiu o cheiro de terra molhada da chuva providencial que caíra durante a noite em que resolvera nascer. Providência Divina para colocar nas panelas de sua família um pouco de arroz com feijão. E, quem sabe, se sobrasse um pouquinho, daria para trocar por roupas e sapatos.
            Ouviu a voz maternal de sua mãe dizendo ao seu esposo:
            _ Nossa filha vai se chamar Maria em homenagem a Nossa Senhora.
            Sem se importar muito, o homem concordou. Para ele tanto fazia se seria Maria ou Joana. Depois de tantos filhos já não sentia nenhuma emoção. Pelo contrário, entristecia-se por saber que seria mais uma boca para passar fome.
            E assim foi feito. Maria era o seu nome. O sobrenome não importava. Afinal, a quem interessava se ela era uma cidadã registrada ou não? Aos seus pais só importava trabalhar hoje para comer amanhã a vida miserável de roceiros semi-analfabetos.
            Naquele mundinho fechadinho cresceram, ela e seus sete irmãos, quatro mulheres e três homens, com a barriga cheia de lombrigas dos porcos que comiam de vez em quando, para variar o arroz com feijão. Vida miserável em um barraco de terra batida, coberto com capim, que não encobria a pobreza de sua família.
            O pai, doente, só tinha forças para fazer filhos e atormentar a mulher com seus ciúmes. Ela, uma gigante que paria, trabalhava, ora no roçado, ora na casa dos patrões, para sustentar os filhos e ainda arrumava tempo para lhes dar uma boa educação.
            Cinco anos após, Maria foi passar uma semana na cidade, na casa dos tios que tinham uma situação financeira bem melhor do que a de seus pais.
            Que admirável mundo novo se desenhou diante de seus olhos de criança inocente e ignorante! Que delícia era o bombom, o yorgute, a bolacha recheada! Nem perto do mingau de fubá, do molho de abóbora, da mandioca!... E as luzes?! Brilhavam nos postes, nas placas e nos seus olhos também! As vitrines cheias de coisas coloridas, sapatos e brinquedos. Quanto brinquedo! As bonecas com olhinhos que abriam e fechavam, que choravam, que tinham cabelos, que vestiam roupas de babados, que lhe fazia esquecer as de pano que sua mãe tecia com tanto carinho para as filhas, ou as de sabugo de milho que preenchiam suas fantasias infantis.
            E a casa? Aquilo que era casa! Casa de tijolos, com telhas e laje. O banheiro, um deslumbre!  Foi preciso que a prima lhe ensinasse para que servia o vaso sanitário que até então desconhecia. E o papel higiênico? Uma carícia em seu bumbum!
            Tudo era deslumbrante! Os presentes que os tios lhe davam. A comida deliciosa. A vida de princesa que estava levando. Ficou deslumbrada, extasiada, apaixonada...
            Dia de voltar, quis ficar. Chorou, esperneou, deu birra e não voltou. Depois de algum tempo, seus pais entraram na justiça para reaver sua guarda. Mas como concorrer sua miséria e falta de instrução com a vida abastada e letrada de seus parentes? Apesar da tenra idade, o juiz deu à Maria o direito de escolher. Escolheu a vida farta e a segurança de comida boa todos os dias.
            Só então, aos seis anos de idade, virou cidadã de verdade, pois seus tios a registrou e finalmente ganhou um nome completo. Agora se chamava Maria Helena de Jesus e pode ir para a escola levada pela preocupação de sua tia com sua boa educação.
            Estudou e aprendeu mais que a média. Aprendeu também, e bem cedo, a amar. Na oitava série, com quatorze anos de idade, o amor chegou sem pedir licença, sem avisar, sem autorização. Era um amor adolescente que lhe ceifava o raciocínio, que lhe deixava em êxtase transcendental, que lhe cegava e convidava à volúpia. Nada mais lhe importava. Jogou seu futuro estudantil e o perdeu na aposta de um amor ardente que lhe inebriava e lhe tirava a razão.
            Seu jovem namorado, mais experiente, temendo uma gravidez precoce, não deixava que ela tirasse a roupa íntima. Fazia amor em suas pernas. Que delícia o cheiro do amor! O cheiro do orgasmo ficava impregnado em sua calcinha, em seu corpo, em sua mente por vários dias, fazendo vibrar seus hormônios, seu corpo, sua alma. Por vários dias ela esquecia até mesmo a própria existência de Deus, para viver intensamente aquela paixão, aquele amor, aquele desejo sexual.
            Deus?! Quando se lembrava dele pedia perdão sem muita convicção do seu pecado, pois não acreditava ser pecado um amor tão belo, tão intenso e tão gostoso.
            Sem mais nem menos, começou a passar mal. Tonturas, vômitos e o diagnóstico do médico.
            _ É virgem, mas está grávida.
            Para surpresa de todos, ela estava grávida, apesar de virgem. 
            Um amor tão grande, tão intenso e tão praticado, que mesmo sem penetração, foi capaz de gerar um feto.
            A incerteza e a dúvida tomaram conta do seu ser.
            _ E agora? Será que ele vai acreditar? Ele não me fez mulher, não vai acreditar em mim. Vai me abandonar. Como vou criar meu filho? Como vou viver sem ele? Sem esse amor tão gostoso que me faz perder a razão? Sem o cheiro dele, esse cheiro de amor, esse cheiro de orgasmo que me inebria? Eu o amo meu Deus! Faça com que ele acredite em mim!
            Acreditou, chorou de emoção e pediu sua mão em casamento. No dia, a igreja lotou de curiosos para ver a grávida virgem vestida de noiva. Um misto de felicidade e vergonha invadiu o coração de Maria, mas ela cumpriu o ritual de cabeça erguida pela certeza de que uma coisa tão boa quanto o sexo feito com amor, não poderia ser vergonha e nem pecado.
            Teve mais dois filhos. Um deles concebido nas pernas um dia após o nascimento do primeiro.
            Alguns anos após, já com as crianças crescidas, Maria voltou a estudar. Formou-se em pedagogia, pósgraduou-se em Ação Multidisciplinar em Gestão, Orientação, Supervisão e Inspeção Escolar.
            Casou os filhos, se apaixonou pelos netos, mas não abandonou a carreira de magistério. Era dedicada e como tal galgou degraus mais elevados na profissão.  
            Agora estava ali, atuando em uma escola da periferia como orientadora educacional, sem saber que orientação dar a uma aluna adolescente, que se engravidou fazendo programa para ganhar dinheiro, comprar crak e viver de ilusões, porque rejeitava a idéia de ser pobre. Maria não sabia qual era a diferença.













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