AMOR VIÇOSO


AMOR VIÇOSO

                                                          VALNICE PEREIRA

Telminha. Quarenta e cinco anos. Dois filhos adultos e uma netinha a quem amava de paixão. Professora. Divorciada. Feliz? O fim do casamento deixara-a completamente frustrada. Durante meia vida sofrera violência verbal de seu marido que a oprimia.
            Agora estava ali, olhando pela janela do ônibus a vida que se passava diante de seus olhos. Uma vida de muita luta para conquistar seus ideais. Desde pequena tivera que trabalhar para pagar seus estudos. O pai, um militar que mal ganhava para o sustento da família. A mãe, sem profissão definida, só cuidava da meia dúzia de filhos que tivera e isso não dava lucro. Assim Telminha cresceu para a vida que não queria ter. Sonhava com uma profissão promissora e casar-se com uma pessoa bem situada financeira e intelectualmente.
Mas nada disso aconteceu. Ainda muito jovem se apaixonou perdidamente por um motorista de caminhão de leite, se engravidou e viu seus sonhos de uma vida farta escoar-se pelo presente árduo de uma vida sem futuro. Não se resignou. Lutou. Estudou. Fez curso superior. Pósgraduação. Cresceu mais que o esperado. Virou professora de sucesso.
O marido, inferiorizado, limitou-se a humilhá-la. A tentar tirar dela sua ânsia de crescer. De progredir. De ser um sol e não apenas um planetinha girando em torno de uma estrela. Queria brilhar. Sentia necessidade de luzir. Diante de tal antagonismo o casamento ruiu. O fim dele não lhe tirou o desejo de viver outros amores. Sentia-se livre para viajar, dançar, rir, cantar, namorar, se apaixonar, viver. Viver tudo que até então não havia vivido. Namorava um rapaz de sua cidade, do qual gostava muito, pois ele levantava sua estima. Porém, não estava apaixonada.
Naquele ônibus, se dirigia à Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais, para onde fora enviada pela Superintendência Regional de Ensino para fazer um curso de grande importância,
Na universidade, durante o curso, dava demonstração de muito conhecimento e responsabilidade, mas se mostrava enfadonha. Depois de cinco dias na cidade, enturmou-se e foi conhecer a noite viçosence. Perambulou pelos bares e boates. Bebeu. Cantou. Dançou. Riu. Fez novos amigos. Mas seu olhar continuava vagueando, perambulando a procura de algo ou alguém que preenchesse o vazio que consumia sua alma.
Lá pelo final da semana, resolveu conhecer o Rancho do Zé. Um bar dançante muito bem recomendado pela elite letrada da Universidade. Enfeitou-se. Maquiou-se. Perfumou-se, pôs-se bonita. Possuía um charme todo especial em seu sorriso aberto e franco e em seu olhar enigmático emitido por duas pupilas cor de mel. E lá se foi na companhia de algumas amigas de curso. Sentou-se e pediu uma cerveja. Depois outra e mais outra. E depois de uma hora comentou:
_ Neste bar, quem quiser dançar terá que trazer o par.
Neste instante ele entrou. Muito elegante! Usava um chapeuzinho branco finíssimo combinando com o colete. Aproximadamente cinquenta anos. Pele rosada e fina como de um bebê. Um bigode sensual lhe dava um charme todo especial.
Deu uma volta pelo salão e voltou para o local das mesas. Telminha seguia-o com os olhos. Boca entreaberta. Estática. Encantada. Hipnotizada. O coração pulsava alegremente como crianças em cirandas. A face tornou-se rubra dando-lhe um ar de menina moça. O olhar fixo no homem do chapeuzinho atraiu o olhar dele. Este se aproximou e gentilmente, convidou-a para dançar. Telminha sentiu-se desfalecer. Meio sem jeito, levantou-se e o acompanhou até o salão. Dançaram boleros, machas, valsa, samba, rock e tudo que tocaram. Conversaram. Riram. Beberam. Comeram. E dançaram, dançaram, dançaram... No final da noite se conheciam há séculos. Telminha já sabia qual seu estado civil, quantos filhos tinha, seu grau de instrução. Etc.etc. Ele já sabia muito dela também, inclusive que tinha um namorado em sua cidade, pois, a principal qualidade de Telminha era a honestidade. Nunca enganara ninguém.
Na semana seguinte, o casal, cada vez se mostrando mais apaixonado, se encontrava todos os dias. Saiam para irem a um bar comer frango a passarinho. Saiam para irem ao cinema. Saiam para irem dançar. Saiam para sentar no banco da praça e simplesmente conversar. Não importava aonde iam, nem o que iam fazer. O importante era estar juntos.
Nunca uma semana fora tão curta. Quando Telminha percebeu, já havia acabado e era hora de retornar. Não queria acreditar. Com os olhos marejados, preparava as malas:
_ Meu Deus! Eu não vou agüentar! Por que tem que ser assim? Por que eu tinha de me apaixonar por alguém que mora tão longe? Dezoito horas de viagem! A distância vai fazê-lo se esquecer de mim rapidinho. Mas eu não vou conseguir esquecê-lo jamais.
Na rodoviária, no meio do tumulto de malas e gente, dois corpos permaneciam abraçados, entrelaçados como se fosse um só até o último instante. Quando o motorista anunciou a partida. Alfredinho colocou seu chapeuzinho inseparável na cabeça de Telminha e foi-se embora aparentemente chorando. Com este gesto, selou com ela um compromisso de amor. Um amor viçoso que nascera nos corações de duas pessoas que, apesar da idade, não desistiram de serem felizes.
Dois meses depois, a convite dele, ela retornou à Viçosa para viver todas as emoções possíveis de um grande amor.
A pergunta é: “Existe distância para duas almas gêmeas”?          

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