Poderia ser João e Maria, Romeu e Julieta, Orfeu e Eurídice. Mas não era. Eram apenas Biró e Gorete.
Nasceram no sertão do Rio Grande do Norte e tiveram seus destinos cruzados, pela primeira vez, no açude onde buscavam a água lamacenta que lhes garantiria a sobrevivência.
Ele tinha seis anos. Ela, quatro. Brincavam juntos, enquanto as mães, nordestinas de um metro e meio, sem nenhuma sobra de gordura, levavam os trapos da troca semanal.
Fazia dois longos dias que não comiam a não ser o molho de palmas, com sal. De repente, Biró soltou um grito. Havia passado aos seus pés um enorme rato silvestre.
O mulherio olhou e viu o bicho. Foi um tal de:
_ Corre!
_ Pega!
_ Não deixa escapar!
_ Ele foi pra acolá!
_ Oxente! Onde será que se meteu?
_ Venha cá meu bichinho!
_ Olha ele ali!
_ Corre! Pega! Não deixa escapar!
O murídeo não escapou. Comeram-no assado, ali mesmo, tal era a fome que sentiam. Mal deu para cada um botar uma lasquinha na boca.
Entre fome, sede, miséria e brinquedos feitos com os ossos dos bichos que morriam de sede no sertão, cresceram Biró e Gorete. Gorete amando Biró. Biró amando Gorete.
O instinto de sobrevivência dizia a Biró que o mundo ia além do açude, a leste, e além da montanha a oeste. Mal crescera, cruzou a montanha rumo ao garimpo de Serra Pelada, onde, dizia-se, jorrava ouro com abundância. A intenção era voltar com dinheiro, comprar umas terrinhas, casar com Gorete e viver suas vidinhas de criar filhos para que morressem de fome antes mesmo de completarem a idade da razão.
Mas na serra, que já havia se transformado em cratera, o formigueiro humano era tão intenso que não tinha mais grão de ouro suficiente para alimentar o sonho de todos.
Em um caminhão pau-de-arara, Biró desceu em Minas Gerais , na pensão que vendia escravos brancos. Viera enganado pelo aliciador, que lhe prometera uma vida de riquezas.
Muitos anos se passaram até que conseguiu se livrar da dívida que o mantinha escravo em uma fazenda de café. Outros tantos anos se passaram, até que conseguiu juntar dinheiro para mandar buscar sua mãe e irmãos. Mais alguns anos se foram até que conseguiu ir pessoalmente buscar Gorete, a mulher do seu coração.
Gorete o havia esperado. Até mesmo quando não sabia, sequer, se seu amado ainda estava vivo, ou quando o açude secava totalmente e todos eram obrigados a refugiarem-se em alguma favela das cidades grandes. Ainda assim, Gorete ficava lá, esperando aquele para quem havia jurado amor eterno, cantando a música que aprendeu com a sua mãe e sonhava cantar para embalar os rebentos que pretendia ter com seu amado Biró.
“As flores já não crescem mais.
Até o alecrim murchou.
O sapo se mandou,
O lambari morreu,
Porque o açude secou.”
Dez longos anos se passaram e Biró havia virado cidadão mineiro. Questões burocráticas de sua documentação o impediram de se casar no Nordeste. Não lhe restou alternativa. Prometeu ao pai da moça que não buliria com ela antes do casamento e a trouxe, para se casarem em Minas Gerais. Cumpriu o prometido. Só após o casamento, deitou-se com a amada para unir para sempre os seus destinos.
Exatos nove meses após o casamento, estava Gorete a parir o fruto de tão grande amor.
Moravam em uma cidadezinha com um único hospital, mantido por freiras, e um médico, clínico geral.
Uma noite inteira sofrendo dores. Não havia recursos para a cesariana. Às seis horas da manhã, a pobre moça sucumbiu. Trouxeram-na para casa, onde seria velada. Ao meio-dia, as mulheres da vizinhança vieram banhar o corpo, costume antigo dos mineiros.
Estranharam o calor do corpo da morta, que mantinha temperatura elevada, mas colocaram-na na bacia de água fria. Para espanto de todas, a moça deu um suspiro. A criança revirou-se em seu ventre. Algumas mulheres correram. Uma desmaiou, outra saiu gritando:
_ Acode gente, Gorete ainda está viva!
Biró entrou correndo no quarto. Abraçou sua mulher e, chorando baixinho, disse-lhe:
_ Minha Goretizinha, não me deixe. Eu lhe amo, meu amor! Não me deixe!
Gorete estremeceu, abriu os olhos, fitou-o e morreu. Morreu?!
Dona Maria, a única que conservou a serenidade, mandou chamar imediatamente o médico:
_ Corre lá na esquina, no armazém do Sr. Antônio e chame o médico, rápido! _ Disse ela a uma das mulheres que estavam ajudando dar o banho.
Quando o médico chegou, segundo ele, já não adiantava mais. Talvez pelo choque com a água fria, Gorete tenha dado seu último suspiro, levando consigo seu filho, que, até então, ainda estava vivo, pois se revirava no ventre da mãe.
Devido à incompetência ou negligência de um médico, os destinos dos jovens amantes, que havia se cruzado na infância, se separaram. Mas não para sempre. A separação só durou até que encontraram Biró, morto de bêbado, em uma sarjeta.
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